Um poema de Luís de Camões


76.

No mundo quis o Tempo que se achasse
O bem que por acerto ou sorte vinha;
E, por experimentar que dita tinha,
Quis que a Fortuna em mim me experimentasse.
Mas por que meu destino me mostrasse
Que nem ter esperanças me convinha,
Nunca nesta tão longa vida minha
Cousa me deixou ver que desejasse.
Mudando andei costume, terra e estado,
Por ver se se mudava a sorte dura;
A vida pus nas mãos de um leve lenho.
Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado,
Já sei que deste meu buscar ventura
Achado tenho já que não a tenho.

em Lírica, fixação de texto de Hernâni Cidade, ilustrações de Lima Freitas, Lisboa: Círculo de Leitores, 10ª edição, terceiro volume das Obras Completas, 1984, p. 187.