wolkswagen
arrancaram-nos o baloiço do jardim;
se calhar já estamos crescidos
o espelho pende como um rosto do bico
da pega
aquela que sujava o chão da cozinha,
picava as pernas das raparigas e
roubava anéis de ouro nos dias de chuva
a pega morreu há muitos anos, nunca a
conhecemos.
só lá está o terraço e uma videira
muito velhinha.
não sei porque nos arrancaram o
baloiço do jardim,
agora que passaram os Santos e o Natal
se aproxima
o outro lado do espelho fala de dois
miúdos a espreitar;
os olhos redondos a conquistar os leões
entre a música de circo
tudo vemelho amarelo e azul com
serpentinas e o calor do riso dos pais.
do lado de cá já se envergam
chapeuzinhos de tédio com véus
de pés-de-galinha
a esperança nos faróis dos carros às
cinco da tarde, já noite pelo inverno
e o pai que se atrasava a ir buscar-nos
à catequese ou à ginástica.
“ainda não é aquele, que o
wolkswagen tem uns faróis redondinhos”
como os nossos olhos sem expressão a
fitar os buracos que restam na terra
do jardim.
não sei porque nos arrancaram o
baloiço
em Thaumatrope, Lisboa: Averno,
2007, p. 43.