Um poema de Pedro Homem de Mello


Canção Sinistra

Correm lágrimas... E canto!
Canto a carne que alumia
A minha casa vazia
E as cinzas do meu espanto.

Flor por flor, astro por astro,
Terra, mar e firmamento.
Ó carne, que deixas rastro
Até nas dobras do vendo!
Canto a carne que revela
O vinho que me embriaga.
Canto a carne que revela
(Quanto mais funda mais bela!)
A nódoa da minha chaga...

Canto a carne — inútil prece
Dos meus pés de caminheiro.
Carne. Carne — inútil prece.
Carne que és o mundo inteiro!
Carne. Carne que apodrece.



em E ninguém me conhecia, sessenta poemas escolhidos e apresentados por Manuel Alegre e Paulo Sucena, ilustrações de José Rodrigues, Lisboa: Campo da Comunicação, 1ª edição, 2004, p. 57.