Joseph Conrad


— Não existem orientações que nos guiem?
O seu pai estava com um humor inesperadamente gentil nessa noite, em que a luz nadava num céu sem nuvens sobre as sombras encardidas da cidade.
— Então ainda acreditas em alguma coisa? — respondeu com uma voz clara, que ultimamente se tornara mais fraca. — Talvez acredites na carne e no sangue? Um desprezo completo e ameno em breve também acabará com isso. Mas, como ainda não o conseguiste, aconselho-te a cultivares a forma de desprezo a que se dá o nome de comiseração. É talvez menos difícil — lembra-te sempre que, também tu, se fores alguma coisa, mereces tanta comiseração como os outros; no entanto nunca deves esperar qualquer comiseração para contigo.
— Então o que se deve fazer? — perguntou o jovem, com um suspiro, enquanto olhava o pai, rígido numa cadeira de encosto alto.
— Olha… não faças ruído — foram as últimas palavras do homem que passara a sua vida a fazer soar uma terrível trompa que enchera céu e terra de ruínas, enquanto a humanidade prosseguia o seu curso indiferente.


em Vitória, tradução de Jorge Palinhos, Lisboa: Ulisseia, 2014, pp. 172-173.