Peter Sloterdijk


Enquanto Diógenes formula o «voto»: «Tira-te do meu sol!», os adeptos do cinismo moderno aspiram eles próprios a «um lugar ao sol»; a única coisa que têm na cabeça é baterem-se cinicamente  — abertamente, sem tréguas — pelos bens deste mundo, coisa de que Diógenes zombava. E, para o conseguir, todos os meios são bons, mesmo o genocídio, a pilhagem da terra, a devastação dos continentes e dos mares, o massacre da fauna. (...)
O núcleo do kinismo é uma filosofia crítica e irónica das pretensas necessidades, uma radiografia da sua desmesurada e do seu absurdo de princípio. A impulsão kínica não esteve viva apenas de Diógenes até ao estoicismo, antes a vamos encontrar também em Jesus, o perturbador par excellence, e em todos os verdadeiro descendentes do mestre, que, seguindo-lhe o exemplo, tinham conseguido reconhecer que a vida não tem finalidade. (...)
Só a partir do kinismo podemos represar o cinismo, não a partir da moral. Só um jubiloso kinismo dos fins que nunca se deixe tentar a esquecer a vida não tem nada a perder a não ser a si próprio.


em Crítica da Razão Cínica, tradução de Manuel Resende, Lisboa: Relógio D'Água, 2011, pp. 255-256.

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