Um poema de Rui Knopfli


Apontamento nem sequer num caderno de viagem


Gosto do campo inglês, com as suas capelas
vetustas gótico perpendicular e seus cemitérios
de pedra escura ao lado.
Não deveria dizer «o campo inglês».
Perde carácter. The English countryside

é indubitavelmente muito mais adequado.
Depois de Longleat, a caminho de Bath,
hoje pela tardinha, cansado de estrada
parei o carro numa berma, algures
sobre a ondulação do vale umbroso,

no mais secreto de Wiltshire.
Discreta e silenciosa, nem sequer muito
antiga, menos em ruínas
do que o derelict building
da especiosa designação camarária,

a igreja dissimulava-se na fiada
alta e esguia dos abetos. Desço
até ela pelo declive lento do valado.
Vulgar, vaticino, mirando a pedra
cinzenta e indefinida. Transporto o pórtico,

descubro surpreso que, desguarnecida
de tecto, a nave abre para um céu
muito azul e sem nuvens. Estaco no meio
da erva desgrenhada que irrompe do lajedo
fendido e do musgo húmido que o reveste.

Deus está velho e cansado, desgostoso e céptico,
sobretudo míope. Por esta larga janela
melhor nos observa. Isento da hipocrisia
protocolar do culto e dos fiéis,
este é, por certo, o seu templo.


em Colóquio | Letras, número 83, Janeiro de 1985, p. 59.