Duas pequenas notas e não volto mais a estes assuntos (3)


1. Herberto Helder há muito tempo que deixou de ser poeta para ser instituição (e quase intocável). Apesar dos esforços para não o ser – recusar dar entrevistas, não permitir que a sua poesia seja reeditada individualmente –, Herberto Helder falhou. Talvez muita da culpa seja sua: todo o mistério que criou à sua volta só multiplicou o número de “adoradores”, levando a que alguns dos seus livros passem a valer o triplo ou o quádruplo do valor real: numa feira de antiguidades nas Caldas da Rainha pediram-me 25 euros pela primeira edição de A Última Ciência, como se o livro em questão fosse uma raridade (tal não acontece: qualquer Biblioteca Municipal deverá ter um exemplar), como acontece com Cobra, por exemplo. Não vou negar que me deixei deslumbrar pela sua poesia quando tinha 16-17 anos e li, durante esse verão, Poesia Toda. Contudo, sempre me agradou mais a sua prosa: considero Passos em Volta um livro fundamental na minha vida – e sei o risco que corro ao utilizar o adjectivo. No entanto, não posso ficar indiferente a todo o aparato criado em redor de mais um livro seu. Na verdade não se trata de um novo livro: é uma súmula com alguns inéditos. Quem tiver Poesia Toda e Ou o Poema Contínuo tem os poemas de Herberto Helder quase na sua totalidade (e repetidos!). Mas a ideia que se passa ao leitor desprevenido – caso existam leitores desprevenidos de Herberto Helder – é que está na presença de um novo livro do poeta, quando na realidade isso não acontece.

2. O problema da crítica literária é ser feita por críticos. É claro que esta frase não é minha. Li-a (ou ouvia?) uma vez. O problema em Portugal coloca-se de outra maneira: a crítica literária não existe. Existem críticos? Não. Existem amigos de escritores que também são escritores e que escrevem aquilo que pensam ser crítica literária. Embora concordando com a ideia de que a imparcialidade, algo de fundamental numa boa crítica literária, implica uma postura de “neutralidade” que induz, por sua vez, a uma tomada de posição (Zižek), estou convencido que em Portugal evita-se ser imparcial para não cair no erro da neutralidade. Sim, ser neutro em portugal é um "erro", ou pelo menos é visto como algo de "errado". Somos abertamente parciais: é impossível ler crítica literária em Portugal sem estabelecer laços de amizade entre crítico e criticado. Quem souber um pouco de História da Literatura verá que sempre assim foi. E eu sei que não é só em Portugal que isso acontece. Mas estou a referir-me a Portugal.

3 comentários:

Anónimo disse...

Na mouche. E basta conhecer alguns críticos para se perceber porque é que alguém escreve sobre livros na imprensa. Uma questão de conhecimentos pura e simples. Critico? Nem por isso. Não me diz respeito. São factos.

A. Pedro Ribeiro disse...

Tens razão em relação à crítica literária. Herberto tem coisas geniais e dispensa bem os seus aduladores.

Unknown disse...

Dou-te razão no ponto 2 sobre a crítica literária, que eu diria extender-se, de igual modo, à crítica de cinema e de música. Portugal é um meio muito pequeno, e no circuito cultural e das artes, todos se conhecem (artistas, críticos, produtores culturais), o que dificulta o distanciamento e a frieza de análise.
VA